terça-feira, 2 de outubro de 2012

Meu Papel #5: “Seu” Noronha – Dançando em doces imersões

Pensei, por uns quinze minutos, numa forma de iniciar este texto, de me apresentar aqui; resolvi vomitar tudo de uma vez a fim de evitar a fadiga de se ler um texto nada interessante. Vomitemos. Estudante de edificações, atuar nunca foi meu sonho de infância – uma brincadeira, talvez –, tampouco montar uma peça – Nelson Rodrigues como autor? Não me exporia a tanto! -; pois bem: atuar foi uma doce decepção.
Uma vez convencido de que não havia outra forma, o que me restava era ser arrastado junto com a correnteza e desaguar no fim comum: conformismo. Mania de brasileiro. Definir os grupos: águas caudalosas; tudo seguia na minha agonia de náufrago: em busca de uma foz que parecia nunca chegar. Desaguei. Em dúvida. Qual caminho seguir? Em busca de Norte, achamos “Os sete gatinhos”, que nos surgiu entre aplausos e a incerteza do “e agora?”. Definimos os atores, seus personagens e quem ocuparia as funções técnicas; começamos a ler o texto numa ânsia de entender aquilo tudo: submergíamos  num oceano chamado Nelson Rodrigues. Imersos, afundávamos cada vez mais. Em doses homeopáticas.


Eu fiquei incumbido de representar o personagem “Seu” Noronha. Pai de família, contínuo, teofilista, pedófilo em potencial, “Seu” Noronha é a personificação do falso moralismo social, bem como é metonímia da própria sociedade. A parte pelo todo. Dono da verdade, todo e qualquer questionamento a cerca de sua autoridade é considerado uma grave afronta, assim como não respeitá-lo ou usar palavras de baixo calão pra dirigir-se a ele. Porém, o leão tem um espinho sob sua pata: sua filha Silene. Não há ninguém que se aproxime da pureza de Silene, tampouco seja digno de sua ternura. Ponto fraco. Entretanto, Silene é seu carrasco e basta um golpe para que todo moralismo que se tinha naquela casa dê lugar ao escracho, à depravação e a latente realidade de uma sociedade sem máscaras. “Nós podemos finalmente cheirar mal e apodrecer”.

Diante de um personagem tão complexo, me vi diante de um oceano: aquilo era muito mais do que eu podia conter; tive medo – como todo hidrofóbico. O medo não foi embora. Ainda receio nas interpretações psicológicas que faço, assim como deixar a desejar na interpretação cênica de um personagem que ainda não compreendi – e, talvez, seja essa a intenção do “eterno menino”: ser uma incógnita (poético, não?). Não sei atuar. Não me condenem por isso: o teatro não é a minha zona de conforto (nem de competência); mas, mesmo assim, o desafio que nos move. Aceitar esse papel me pareceu tão absurdo que, de repente, me pareceu um convite para dançar – convite aceito.

Para me inspirar no modo de agir e ser do personagem, usei três referências como base:  “Mestre José Amaro”,  o personagem infantil “Eufrazino” e o meu professor de química (Sabino). “Mestre José Amaro” é um personagem do livro Fogo Morto (José Lins do Rego) que me inspirou por de tratar é um seleiro, machista, autoritário e impaciente com sua filha, uma moça de 30 anos que não se casou; “Seu” Noronha é contínuo da câmara e tem quatro filhas que não se casaram. “Eufrazino” é um personagem da série Looney Tunes que compartilha com o meu personagem o fato de ser pouco inteligente, instável, arrogante, bipolar. Do meu professor de química roubei os trejeitos: sua imposição, seus vícios linguísticos; aproveitei dele suas características que mais me atentaram no modo de andar e de gesticular quando ambos (o personagem e o professor) estão irritados: um leve aquecimento. Aquecer para decompor. Pirólise.
Construir esse personagem não foi fácil: uma dança. Dançando, em tempos e em contratempos, chegamos perto de materializar os devaneios, as divagações, as genialidades de um autointitulado “Anjo pornográfico”. Imersos em inconstância, procuramos obter “brilho definido” (palavras do viajante Caetano) para irradiar teatro ou simplesmente queremos extrair e refinar um mel de suas valsas. Valsas de inconstância. Doces valsas.


Saulo Cavalcante
15 anos, estudante. Ator sem potencial. Arrogante, irritado e nada modesto. "A realidade não importa. A realidade não existe"


Um comentário:

 
Powered by Blogspot